No universo dos negócios de impacto positivo, a gestão financeira e contábil não apenas molda a viabilidade e sustentabilidade das operações, mas também assegura conformidade legal e transparência. A ITG 2002, emitida pelo Conselho Federal de Contabilidade (CFC), estabelece diretrizes contábeis fundamentais para associações e fundações, incluindo aquelas com imunidade tributária. Este artigo visa desmistificar essas diretrizes, com foco especial no regime de competência contábil, um pilar crucial para a conformidade e o sucesso de entidades de impacto positivo.
Para associações e fundações de impacto positivo, a conformidade contábil não é apenas uma questão de transparência financeira; ela é essencial para acessar e manter uma série de benefícios críticos que sustentam suas operações e ampliam seu impacto.
A obtenção do Certificado de Entidade Beneficente de Assistência Social (CEBAS), por exemplo, é um processo que confere às entidades imunidade tributária, um benefício substancial que permite a realocação de recursos diretamente para suas missões sociais. Esse certificado, assim como outros similares, exige rigorosa conformidade contábil e financeira, demonstrada através de práticas contábeis que seguem o regime de competência, conforme estabelecido pela ITG 2002.
Além disso, contratos de fomento e cooperação com órgãos públicos muitas vezes requerem que as entidades demonstrem não apenas a capacidade de gerenciar eficientemente os recursos recebidos, mas também de reportar seu uso de maneira transparente e conforme as normas contábeis vigentes. Isso assegura tanto a accountability quanto a eficácia na aplicação dos fundos em consonância com os objetivos acordados.
O cumprimento das normas contábeis é igualmente crucial para o credenciamento junto aos órgãos reguladores nas respectivas áreas de atuação das entidades. Esses credenciamentos, que muitas vezes são indispensáveis para a operação legal das atividades da entidade, exigem a adesão a padrões contábeis e práticas de gestão financeira que só podem ser garantidos através de uma contabilidade rigorosa e alinhada com as diretrizes da ITG 2002.
O ponto central para a ITG 2002 é a adoção do regime de competência como o método padrão de contabilização. Diferentemente do regime de caixa, que registra transações financeiras no momento do pagamento ou recebimento, o regime de competência reconhece as receitas e despesas no momento em que ocorrem, independentemente do fluxo de caixa. Essa abordagem oferece uma representação mais precisa e transparente da saúde financeira da entidade.
Embora o regime de caixa possa parecer simples e direto para a gestão financeira de uma organização, ele apresenta riscos significativos, especialmente para associações e fundações que buscam manter conformidade fiscal, transparência e eficácia na aplicação de recursos. Esses riscos são amplificados pela natureza das obrigações e expectativas associadas a entidades de impacto positivo.
O regime de caixa registra transações apenas quando o dinheiro efetivamente entra ou sai da entidade, o que pode levar a uma representação distorcida da saúde financeira da organização. Esse método pode obscurecer passivos iminentes ou receitas futuras, comprometendo a transparência e a responsabilidade (accountability) perante clientes, doadores, beneficiários e órgãos reguladores.
Portanto, a conformidade contábil, conforme delineada pela ITG 2002 e praticada através do regime de competência, é um requisito indissociável para a sustentação e crescimento de negócios de impacto positivo. Ela não somente garante a transparência e a gestão eficaz dos recursos, mas também capacita essas entidades a se qualificarem para certificações importantes, firmarem contratos de fomento e cooperação com o poder público e atenderem aos requisitos de credenciamento em suas áreas de atuação. A estrita observância das práticas contábeis recomendadas é, assim, uma estratégia fundamental para ampliar o impacto, assegurar a sustentabilidade e reforçar a integridade dessas organizações.
São Paulo/SP, Abril de 2024
Dra. Fernanda Soares Ortolan
Advogada | Cofundadora do Bureau Social | Consultora de Negócios Empresariais de Impacto Positivo e Inovação Social | Gestora de Projetos Sociais